O contrato secreto de investimento entre o Governo e a Montes del Plata

Na quinta-feira, dia 12 de maio de 2011, o Semanário BÚSQUEDA publicou um extrato do contrato de investimento subscrito entre o Poder Executivo e a empresa Montes del Plata (consórcio Stora Enso – Arauco), assinado no passado 18 de janeiro, onde se estabelecem os termos e condições que o país garante à empresa para que leve a cabo o investimento do megaprojeto de planta de celulose em Punta Pereira, na localidade de Conchillas do Departamento de Colonia (1).

Cópia desse contrato tinha sido solicitada pelo Ministério Público –Promotor Público Enrique Viana- mas o pedido tinha sido indeferido, alegando que o contrato incluía uma cláusula de “confidencialidade” onde as duas partes se obrigavam a não divulgar informação relacionada com esse convênio. O Promotor Público considera que essas negociações secretas do Poder Executivo atentam contra o que é um assunto de interesse geral ou público de acordo com o estabelecido na Constituição da República; contra as previsões do quadro jurídico ambiental; contra a lei de livre acesso à informação pública pela cidadania e contra a transparência democrática (2).

Todas as vantagens

Através de um contrato leonino, a Montes de Plata se assegurou um conjunto de condições produtivas e econômicas para toda sua duração, que nenhum empresário nacional teria sonhado conseguir para seu negócio. Essa bênção inicial do Poder Executivo opera, também como um passe livre para as sucessivas instâncias que devem percorrer projetos desse volume. Alguns pontos principais são resumidos a seguir.

1. Benefícios tributários de todas as cores. O projeto –em sua localização industrial e porto- operará sob o regime de zona franca recarregada, e como se isso fosse pouco, é promovido com os benefícios que determina a lei de investimentos. As plantações e as tarefas associadas de manejo, colheita e transporte recebem todos os benefícios da lei florestal em vigor.

“Quanto à zona franca na que operará a Montes del Plata, o documento indica que a empresa poderá solicitar a ampliação da superfície do local, se no futuro o empreendimento celulósico aumentar sua capacidade de produção ou incorporar indústrias conexas. A extensão da zona franca será até uma área máxima do dobro da superfície já outorgada (361 hectares)”. Como se isso fosse pouco, “o Poder Executivo se comprometeu a autorizar essa empresa, como usuária da zona franca, a empregar uma percentagem maior de pessoal estrangeiro” que conforme a Lei das Zonas Francas é de até um máximo de 25% da folha de pagamento.

2. Rentabilidade blindada para sempre. “Se houver mudanças significativas no regime tributário ou em matéria de licenças e autorizações que afetarem negativamente as condições econômicas do projeto da Montes del Plata, o governo e a empresa revisarão os benefícios especiais que forem outorgados no quadro da lei de investimentos para compensar “os eventuais prejuízos”

A empresa concessionária do terminal de contêineres do Porto de Montevidéu (a belga Katoen Natie) já mostrou a reação desses investidores perante o menor evento que afete as condições de rentabilidade, seja por uma ação direta do Governo (regime tributário ou similares), ou simplesmente por permitir a atividade de outros agentes que concorram com seus produtos, por suas matérias primas, ou que façam com que serviços industriais básicos sejam mais caros.

3. O governo reclassificará os solos – de acordo com a conveniência da empresa – para aumentar seus lucros. O Governo e a Montes del Plata concordaram em fazer os “melhores esforços para atingir uma superfície que possa ser florestada de 100.000 hectares [de novos solos declarados aptos para a atividade florestal] com possibilidade de ser plantados dentro do raio de 200 quilômetros da futura fábrica”. “As partes concordaram na necessidade de substituir aos poucos as plantações mais afastadas da planta por outras localizadas em um raio máximo de 200 quilômetros de Punta Pereira”.

“Aponta-se no contrato que a Direção de Recursos Naturais Renováveis (RENARE) do Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca (MGAP), iniciou um estudo que permitirá o enriquecimento da cartografia de solos e uma subdivisão dos categorizados como 5.02b”. “Desse estudo deveria surgir um monte de solos recategorizados, suficiente para as necessidades do projeto, de acordo com o documento. E adianta que se não for assim, as partes farão seus melhores esforços para achar soluções alternativas para atingir uma superfície que possa ser florestada de 100.000 hectares, com possibilidade de ser plantados dentro do raio de 200 quilômetros de Punta Pereira”.

“O estudo ou as soluções alternativas deverão completar-se em até três anos, não obstante o fato de ajustar soluções parciais a partir da decisão definitiva de implementar o projeto, estabelece. Enquanto não se complete a recategorização dos solos pela RENARE (MGAP), o governo assume a responsabilidade de que os solos 5.02b que possuam características para serem considerados de prioridade florestal, serão considerados solos condicionados e deverão ter a aprovação dessa repartição. Para cumprir com os planos de plantação de árvores, o governo concordou em emitir uma resolução a respeito dos projetos dessa companhia no prazo máximo de quatro meses, no caso dos solos de prioridade florestal ou condicionados, e de seis meses para os que não são de prioridade florestal”.

Até agora, o movimento ambiental e os setores acadêmicos não tinham conseguido que o Poder Executivo revisasse a definição e extensão dos solos de aptidão florestal por argumentos de interesse público, bem como outros critérios técnicos adicionais ao tipo de solos que tinham sido utilizados tradicionalmente, incluindo características do ecossistema e dos outros recursos naturais, suas relações com o ciclo hidrológico, etc. Mas, pelos interesses de uma empresa –que já maneja mais de 200.000 hectares em propriedade e outras formas de posse – rapidamente ordena que o MGAP comece a trabalhar e se obriga a prazos terminantes para cumprir o condicionamento estabelecido.

Guayubira já tinha apontado em um comunicado de novembro de 2010 declarações do Prefeito de Colonia, Walter Zimmer, que tinha afirmado que “é um assassínio florestar nesta parte do país” e sublinhou nesse momento que “o presidente está totalmente de acordo em que não se floreste em Colonia”. Também tinha acrescentado “é arruinar um departamento onde somos produtores de alimentos e também temos uma reserva de água muito importante e aqui o que vai faltar no futuro são alimentos e água” (4).

Também nesse comunicado se adiantava que “a Montes del Plata estaria pressionando o Ministério da Pecuária, Agricultura e Pesca para que reclassifique os solos de Colonia e ‘ache’ 100.000 hectares de prioridade florestal.  Nesse sentido, estariam apontando a um grupo de solos (5.02.b), que são os que estão na parte alta da paisagem, bastante superficiais, mas que têm sido historicamente incorporados à produção leiteira, agrícola e pecuária do departamento”.

Nesse capítulo do memorando se derivam portanto dois aspectos: amplia-se a extensão nacional de solos categorizados de aptidão florestal a pedido de uma empresa e não se levam em conta as perspectivas da população local e seu governo, como o fim de melhorar –ainda mais- a rentabilidade do megaprojeto.

4. Safando da lei de segurança fronteiriça?… No contrato se estabelece “realizar uma análise dos eventuais impactos do projeto de lei de segurança fronteiriça e em caso que essa norma  estabeleça restrições à atividade dessa empresa, as duas partes procurarão de forma conjunta, as alternativas que permitam evitar prejuízos a esse projeto de investimento”. Essa iniciativa, enviada ao Parlamento durante o anterior período de Governo, propõe estabelecer uma faixa de 20 quilômetros de distância das fronteiras seca e fluvial do país com os países vizinhos, na que os proprietários dos campos não poderão ser cidadãos estrangeiros.

5. …e do Instituto de Colonização? “O Governo assumiu também o compromisso de que o Instituto de Colonização não exercerá a opção de compra das terras que serão transferidas pelas empresas Eufores e El Esparragal – vinculadas à Ence – à Montes del Plata, na medida em que se manejem ‘valores de mercado’, conforme o documento”.

6. Uma lei sob medida. No mês passado, o MGAP autorizou a El Esparragal sociedade anônima a ser a titular do direito de propriedade de imóveis rurais, uma exceção mais em favor das sociedades anônimas pertencentes à empresa. O texto da Lei das Sociedades Anônimas, cujo espírito foi dar resposta às preocupações pela concentração de terras em mãos de empresas estrangeiras, já inclui a exceção em favor desse tipo de empresas. E, como se não fosse suficiente, “o governo se comprometeu a isentar do Imposto ao Patrimônio, aplicável às explorações agropecuárias de sociedades vinculadas a essa empresa cujos acionistas são pessoas jurídicas autorizadas expressamente a ter imóveis rurais, outorgando-lhe o mesmo tratamento que às sociedades cujos acionistas são pessoas físicas. De acordo com o contrato, o governo aceitará como válidas essas autorizações para as compras futuras de terras necessárias para o projeto da Montes del Plata”.

Em definitiva, este contrato de investimento, assinado por um funcionário representante do Poder Executivo, que não possui a assinatura de nenhum ministro, que também não foi tratado exaustivamente no Gabinete de Ministros, que tem caráter secreto, estabelece benefícios econômicos excepcionais e notáveis para um investimento transnacional, aos que não têm acesso os empresários nacionais. Assegura também que no futuro a empresa será compensada perante “mudanças significativas no regime tributário ou em matéria de licenças e autorizações que afetarem negativamente as condições econômicas do projeto”. Esse contrato secreto define o curso da utilização dos recursos naturais do país, de seu ordenamento territorial, de seu meio ambiente, em definitiva, o curso do desenvolvimento nacional, condicionando as possibilidades de intervenção da sociedade nacional e a ação soberana da nação por um muito longo  período.

Grupo Guayubira
17 de maio de 2010.

(1) as citas entre aspas são extratos do artigo “Si cambia reglas, el Ejecutivo compensará a Montes del Plata” publicado pelo semanário Búsqueda; os textos entre parênteses retos são acrescentados pelos autores para melhorar a compreensão. Ver artigo completo em http://www.guayubira.org.uy/celulosa/contratoMontesdelPlata.pdf

(2) ver texto completo do escrito apresentado pelo Promotor Público Viana em http://www.guayubira.org.uy/celulosa/MontesdelPlata-abril2011.pdf

(3) ver artigo “Montes del Plata avanza sobre Colonia – La fábrica de celulosa no viene sola” http://www.guayubira.org.uy/2010/11/montes-del-plata-avanza-sobre-colonia-la-fabrica-de-celulosa-no-viene-sola/

Por mais informação:
2413 2989 – 099 367 966
info@guayubira.org.uy
http://www.guayubira.org.uy

About Grupo Guayubira

El grupo "Guayubira", fue creado en mayo de 1997, para nuclear a personas y organizaciones preocupadas por la conservación del monte indígena y por los impactos socioeconómicos y ambientales del actual modelo de desarrollo forestal impulsado desde el gobierno. El grupo aspira a tener incidencia a nivel nacional y local para implementar medidas que ayuden a la conservación del monte indígena y a modificar el actual modelo insustentable de desarrollo forestal basado en los monocultivos de árboles a gran escala.
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